quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Exigência.

Sempre a achei uma palavra feia, pesada. Exigência. Sim, talvez seja daquele "ge" ali no meio, que a carrega demais. Ou talvez seja mesmo da terminação a que eu, involuntariamente, associo sempre a intransigência.
Exigência. É uma palavra pesada, sim. Pesa sobre as costas. Melhor, pesa sobre o peito. E de tanto pesar, puxa-nos para o chão, e vai puxando, puxando, até batermos com a cabeça.
Exigência. No dicionário diz que exigir é, entre outros significados, "reclamar (em virtude de direito que se julga ter)". O erro é que, no dicionário, não se define o direito nem o quantifica. Como por exemplo, se eu der a X 5 maçãs, posso reclamar, em troca, 5 pêras de X. Ou então, se eu dou, a X, de mim tudo o que posso, se o ponho sempre como prioridade, acima de tudo, todos e qualquer coisa, tenho o direito que, em retribuição, X faça o semelhante por mim. Mas o problema é que o dicionário não quantifica esse direito, não o define, não exemplifica... E ainda há sempre aquele "ge", pesado, pesado, ali no meio.

Como é que eu sei se já estou a exigir demais? Que já ultrapassei os limites do meu direito? E quando os outros não retribuem em igual o que eu lhes dou? Como é que preencho o buraquinho vazio que fica? Estou eu a ser egoísta porque dou, mas fico triste por não receber?

Exigência... Mais do que palavra feia, é uma vontade (?) feia, pesada. Até a substituiria por capricho, para a carregar de maior sentido negativo.
O que faço eu a esta vontade incontornável de exigir mais? De reclamar o que me julgo no direito de ter? Sinto-me a tornar-me doentia, sempre nesta insatisfação.

A culpa? A culpa é do dicionário. Ou então é daquele "ge", pesado, lá no meio. (deixem-me acreditar que não é minha!)



"And you are such a fool to worry like I do. I know it's though, and you can never get enough of what you don't really need now...
It's just a moment, this time will pass."

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Somos a primeira pessoa do plural

"Estamos tão perto uns dos outros. Somos contemporâneos, podemos juntar-nos na mesma frase, conjugarmo-nos no mesmo verbo e, no entanto, carregamos um invisível que nos afasta. Ouvimos os vizinhos de cima a arrastarem cadeiras, a atravessarem o corredor com sapatos de salto alto, a sua roupa molhada pinga sobre a nossa roupa a secar; ouvimos a voz dos vizinhos de baixo, dão gargalhadas, a nossa roupa molhada pinga sobre a roupa deles a secar; cheiramos as torradas dos vizinhos do lado, ouvimo-los a chamar o elevador e, no entanto, o nosso maior problema não é apenas não nos reconhecermos na rua. O nosso problema grande é estarmos convencidos que os problemas deles não nos dizem respeito. A nossa tragédia é acharmos que não temos nada a ver com isso.

Há três ou quatro anos, caminhava com um conhecido no aeroporto. De repente, ouviu-se um estalido. Ele agarrou-se ao peito com as duas mãos, caiu de joelhos e, pálido, esperou por morrer. Não morreu. Tinha-lhe rebentado um isqueiro no bolso da camisa. Aliviado, encostado a um balcão, a beber um copo de água, explicou que esse ardor repentino e esse susto pareceram-lhe um ataque cardíaco. Nunca tinha tido um ataque cardíaco antes, por isso confiou em descrições vagas, a que nunca tinha realmente prestado muita atenção.

Há alguns anos também, talvez um pouco mais do que três ou quatro, tinha acabado de participar num jantar cordial, reconfortante. Toda a gente estava bem disposta, à porta dos anfitriões, longa despedida, graças, à espera de táxi. De repente, tocou o telefone de um senhor com quem tinha estado a conversar durante todo o serão. Ninguém reparou nesse telefonema até ao momento em que o senhor começou a chorar convulsivamente. Ficámos todos a olhar sem saber como chegar até ele. Tínhamos braços, estendíamo-los na sua direcção, mas continuavam distantes.

Irritamo-nos com a existência uns dos outros. Fazemos sinais de luzes àquele homem com setenta anos, num carro dos anos setenta, que anda a setenta quilómetros por hora na auto-estrada. Contrariados, esperamos por aquela pessoa que atravessa a passadeira, enchemos as bochechas de ar e sopramos. Impacientes, batemos no volante. Daí a minutos, depois de estacionarmos o carro, somos essa pessoa a atravessar a passadeira. Da mesma maneira, daqui a algum tempo, não muito, seremos esse homem com setenta, dos setenta, a setenta. O tempo passa. Se deitarmos lixo para o chão, alguém o apanhará.

Um amigo que teve um AVC, que passou por uma reabilitação profunda, que enfrentou a morte e a paralisia, depois de anos de fisioterapia, depois de esforço gigante e sofrimento gigante, falou-me da forma como esse susto muda tudo. Passa-se a apreciar aquilo que realmente importa. A imensa maioria das preocupações transformam-se em luxos ridículos, desprezíveis, alimentados pela cegueira. Após essa experiência de quase morte, ganha-se uma nitidez invulgar, que, no entanto, esteve sempre lá. Para percebê-la, bastava levar a sério a promessa de transitoriedade de tudo e, também, levar a sério essa palavra, esse planeta: o amor. Ao ouvi-lo, fui capaz de entender aquilo que dizia. Depois, também fui capaz de entender quando me disse: mas, sabes, ao fim de algum tempo, esquecemo-nos, voltamos a tomar tudo por garantido e voltamos a cometer os mesmos erros.

Repito para mim próprio: estamos tão perto uns dos outros. Não há nenhum motivo para acreditarmos que ganhamos se os outros perderem. Os outros não são outros porque levam muito daquilo que nos pertence e que só pode existir sendo levado por eles. Eles definem-nos tanto quanto nós os definimos a eles. Eles são nós. Eles somos nós. Se tivermos essa consciência, podemos usar todo o seu tamanho. Mesmo que pudéssemos existir sozinhos, de olhos fechados, com os ouvidos tapados, seríamos já bastante grandes, mas existe algo muito maior do que nós. Fazemos parte dessa imensidão. Somos essa imensidão que, vista daqui, parece infinita."

José Luís Peixoto

sábado, 26 de novembro de 2011

se eu corro



"E adoro os efeitos sonoros de quando você sussura absurdos no ouvido do meu coração."

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

"problema de expressão"


Quero escrever-te. Contar como te respiro, como tu me absorves. Quero gritar-te este sentimento sem definição, talvez chamado de já-não-consigo-estar-a-mais-de-três-metros-e-meio-de-ti, que te tenho todos os segundos das minhas 24 horas. Quero enlouquecidamente mostrar-te o quanto te olho, tão louca como te quero. Como se prender-nos nos braços um do outro não bastasse... Como se contigo para sempre fosse mais do que só uma ilusão.
Quero dizer-te. Dar volume à voz abafada pela escassez de advérbios, inúteis e insuficientes de quantificar o quanto te agarro. O quanto preciso do teu cheiro e do teu sussurro. O quanto vivo da tua música.
Já me sei tão tua que jamais o sei falar.
Quero pensar-te baixinho. Sorrir inevitavelmente o quanto me és. Olhar o quanto te tenho em mim. Quero arrancar o nó que me desfaz as palavras na garganta. Quero silenciar. Deixar de procurar palavras para o que é mais do que as próprias palavras podem contar. Mais do que alguém sabe ler.
Mas quero que tu o absorvas quando eu só o souber sorrir. Que tu o agarres quando só no peito eu o souber bater. Que tu o encontres quando eu só o souber olhar.
Quero que só tu o ouças porque eu não o sei falar.

Já me sei tão tua que assusta de morte um dia não o ser.


i love you.

sábado, 18 de junho de 2011

parabéns a mim.

"Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente."

E hoje eu só queria abrir a portão pesado - aquele que nunca ninguém queria abrir - apanhar o autocarro e sair onde me apetecesse, provavelmente no Colosseo.
(Hoje eu sinto que me falta amoR)